Com a proposta de discutir e romper o ciclo de invisibilidade comum à produção artística negra no Brasil, o Movimento Black Money contará práticas e projetos que no momento atual e/ou na história são exemplos e verdadeiras movimentações de resistência socio econômica dos afrodescendentes no Brasil e no mundo.
(Foto:Thásya Barbosa)
É de ciência de todos que costumes e tradições afrobrasileiras têm sofrido com o processo de invisibilidade e distorções ao longo dos séculos e mais fortemente nas últimas décadas onde artes como capoeira, ritmos musicais e afins sofreram e ainda sofrem o processo de “desmarginalização” para legitimação. No espaço da Barbearia isso não foi diferente.
Em toda esquina vemos Barbershops e espaços estéticos onde Barba, cabelo e bigode se remetem a tempos passados da nossa história. História esta que o projeto BARBEIRAGEM faz questão de enegrecer e valorizar.
Mais do que falar do lugar comum ou da relação comercial que podem acontecer em barbearias, o projeto investiga e conecta a importância dos barbeiros sangradores e curandeiros do século XIX aos barbeiros atuantes em regiões de conflito hoje e sempre.
Especificamente falamos de barbeiros negros que desde meados de 1800,sob condições desfavoráveis, reinventaram as práticas e potencializaram a relevância social da classe. Mais do que serviços estéticos ou de saúde, a necessidades de ascensão fez com que esses profissionais se tornassem grandes empreendedores, criando redes de favorecimento e inovações.
Deles nasce também a banda de barbeiros, o primeiro registro de música popular de rua que mais tarde deu origem ao nosso querido chorinho. Na maioria das vezes também produziam seus próprios instrumentos musicais, tocavam nas barbearias para aliviar a tensão dos clientes e no final…vendiam.
Vendiam também sanguessugas para sangrias, ventosas, instrumentos de barbearia e tudo quanto fosse possível no momento.
Geraram renda a ponto de incomodar Portugal e receberem um decreto para que a pratica saísse das mãos dos negros, africanos e pardos. Nada que os fizesse parar imediatamente . Até porque a própria Corte fazia uso dos serviços devido a eficácia.
Já no final do século XIX e início do século XX os grandes centros comerciais expandiram e houve um aumento gradativo de barbeiros portugueses tomando a cidade.
No entanto,os sangradores conseguiram, em sua grande maioria, deixar aos seus remanescentes pecúlios que concederam uma condição menos vulnerável, situação ainda pouco possível aos negros de hoje em dia.
Hoje não é tão diferente quando vemos os barbeiros de áreas de alta vulnerabilidade social tornando-se agentes de TRANSFORMAÇÃO em suas comunidades. Barbearias como espaços terapêuticos, lares que celebram a cultura do afeto fazendo de cada corte uma experiência única, pessoal e social.
Os barbeiros não mais tiram sangue de seus clientes como os antigos que se utilizavam de sangrias, mas estão relacionados aos processos pela auto-aceitação, construção de identidade, confiança no outro– e de certa forma, esses ganhos não deixam de ser curativos pessoais e coletivos.
Para o Barbeiragem falar dessa trajetória -de ontem, hoje e sempre- gera uma provocação que acredito ser nosso fio de alta tensão:
Esse tipo de barbearia específica , desde o século XIX , são espaços de convivência que de cabeça em cabeça indiscriminadamente estão serviço do povo.
E com certeza as práticas e relações que acontecem nesses espaços são terapêuticas, agentes de manutenção e prevenção da saúde mental, física e sem sombra de dúvidas espiritual – no sentido daquilo que transcende a conexão material. Não entra nas estatísticas contábeis, mas movimentam um número estrondoso de renda criando um novo segmento de profissionais barbeiros autodidatas, hair artists e empresários.
Estão -no mundo todo- localizadas em regiões de conflito, de alta vulnerabilidade social, de caos, de invisibilidade – favelas, comunidades, interior, praças de guerra-lugares de alto contigente negro – lugares onde a cultura de afeto se faz necessária e naturalmente resiste nessas barbearias.
Criam seus códigos e a melhor maneira de cuidar de sua comunidade. É casa de portas abertas.
Por que não são criados ações de valorização desses espaços e suas histórias reais não são contadas?
É… acho que nosso caminho está dado. .
Corre o pente, segue a trilha.
(Foto:Fernando Schlaepfer)
Barbearia também é terapia.
A troca de afeto e o compromisso com o cliente, não é apenas pelo corte e sim pela amizade.
E no tato do trato do couro suado. No tete a tete do papo reto e do sorriso frouxo, vai seguindo.
Na batida do beat da noite, o corre das linhas e o corre do dia.
(Foto:Thásya Barbosa)
Autora da matéria: Gessica Justino
Idealizadora e fazedora do Barbeiragem
Instagram: @barbeiragembr
Barbeiragem já correu alguns lugares do Estado do RJ e no final de 2017 foi contemplado em uma exposição no Galpão Bela Maré, que apresentou obras de 17 artistas negros brasileiros das artes visuais, cênicas e do audiovisual, entre individuais e coletivos.
O Barbeiragem foi uma das obras expostas composta por uma instalação positiva de barbearia, um vídeo experimental, fotografias e objetos de acervos.
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