Sem espaço na TV, atores negros mudam cor da plateia de espetáculos no Rio

Em meio a polêmica sobre falta de representatividade, especialmente na TV, espetáculos em cartaz no Rio com atores negros provam que o público negro quer, sim, se ver em cena.

Em “Será que Vai Chover?”, cinco atores contam a história do nascimento do samba no Rio. Na quinta-feira em que a reportagem acompanhou a sessão, no teatro Eva Herz, no Centro, havia na plateia 160 pessoas, a maioria, negras.

A peça já saiu de cartaz e agora está em turnê pelo país. O mesmo ocorre no infantil “O Pequeno Príncipe Preto”, versão do texto de Exupéry, em cartaz no Glauce Rocha. A presença de negros na plateia do musical “Elza”, atração do teatro Riachuelo, também não passa despercebida. A peça é um manifesto, quase um ato político, na qual sete mulheres representam a vida da cantora de 88 anos.

Elenco de “Será que Vai Chover?” Imagem: Ricardo Aleixo/Divulgação

Elenco de "Será que Vai Chover?" Imagem: Ricardo Aleixo/Divulgação

Negros em cartaz e na platéia

Outros espetáculos protagonizados por atores negros estão em cartaz, com relativo sucesso, no Rio: “Ícaro and the Blackstars”, “Luiz Gama”, “Amores Baratos”, “O Jornal”, “Inimigo Oculto” e “Favela II”.

A diferença na cor na plateia é visível, em média, 85% do público é formado por negros. É o movimento Black Money, explicado ao UOL pelo ator e diretor Licínio Januário.

“A ONU falou que até 2025 vai acontecer uma revolução na nossa história. Há uma união que começou a acontecer nos Estados Unidos. Lá, quem domina música, cinema e televisão são os negros. Agora estamos começando a perceber isso aqui no Brasil. Vimos a necessidade de trazer os nossos para o teatro. Ainda não temos como mudar isso na televisão, infelizmente, mas no teatro sim. Então estamos fazendo nossa missão. Aqui ainda podemos ser reis.”

Black Money no teatro

Os profissionais negros não estão apenas no palco, mas também nos bastidores, com figurinistas, sonoplastas, maquiadores, produtores e diretores negros.  “No nosso coletivo a gente sempre preza pelo ‘Black Money’. A assessora de imprensa é negra, a figurinista, cenógrafa, diretor, produtor, todos são negros. Precisamos dar trabalho para os nossos. Se temos essa oportunidade de crescer juntos, vamos crescer. Já que não dão oportunidade pra gente, as criamos”, diz Januário, que também é diretor do Coletivo Preto, responsável por outros projetos com o mesmo viés.

Júnior Dantas, protagonista de “O Pequeno Príncipe Preto”. Imagem: Rodrigo Menezes

Júnior Dantas, protagonista de "O Pequeno Príncipe Preto". Imagem: Rodrigo Menezes

A empresária Fernanda Pacheco, que estava na plateia da peça “Será Que Vai Chover”, conversou com o UOL após a peça e contou que foi a primeira vez que viu tantos negros na plateia. “O espetáculo é incrível, a ideia da peça é excelente. O que mais me deixou surpresa e feliz foi ver a quantidade de negros na plateia. Também foi curioso pensar que eu nunca tinha prestado a atenção nisso”, conta ela, que era uma das poucas pessoas de pele branca a assistir à peça.

Quando os negros se veem representados

Nos espetáculos assistidos pela reportagem, as reações provocadas no palco eram respondidas pela plateia mesmo durante a peça. Em “Elza”, ainda no meio do musical, quando as protagonistas e a banda (também formada só por mulheres) cantavam o clássico refrão: “A carne mais barata do mercado é a carne negra”, as pessoas levantavam, aplaudiam, gritavam.

No eco de uma fala e outra, ouviam-se protestos pela morte da vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes, do menino Marcus Vinicius, morto na Maré após uma troca de tiros na saída da escola. O recado era dado no palco e na plateia: Vidas Negras importam. No roteiro dos espetáculos, uma costura entre o passado e o presente, cada um com suas temáticas, mas todos os com o objetivo de não só entreter, mas fazer pensar. Enquanto na televisão a justificativa para o minúsculo espaço dado aos negros nas telinhas é a falta de profissionais, fora dela, muitos profissionais mostram que a coisa não é bem assim.

Escrita preta

Embalados por esse boom nos teatros, vários coletivos resolveram por em prática projetos que há anos estavam no papel e que também são direcionados para o público negro e feito por artistas negros. Na literatura, é o caso do Escrita Preta, um ciclo de leituras dramatizadas com texto, a para fomentar a dramaturgia negra que acontece nesta semana no Rio.

No cinema, um festival de filmes produzidos e dirigidos por negros, o Encontro do Cinema Negro Zózimo Bulbul – Brasil, África e Caribe, acontece no fim do mês. Neste ano, houve um aumento de 66% de inscritos e das obras selecionadas. Entre elas está o filme “Carne”, o primeiro curta-metragem de terror escrito e dirigido por uma mulher negra, a cineasta soteropolitana Mariana Jaspe. O filme foi selecionado para outros cinco festivais e traz no elenco talentos como o ator global Danilo Ferreira, que faz o Acácio de “Segundo Sol”.

Lázaro Ramos

Com mais de 20 anos de carreira, o ator e diretor Lázaro Ramos conversou com o UOL e falou sobre o empreendedorismo negro. Após protagonizar ao lado de Taís Araújo um espetáculo sobre Martin Luther King e a série “Mr Brau”, ele agora está lançando o documentário “Bando”, sobre o Bando de Teatro Olodum, que completa 28 anos de estrada e militância e que foi responsável por lançar ele e outros artistas e obras como o já clássico “Ó Pai, Ó”.

“Como ato político ou simplesmente a necessidade humana de se verem representados,  o público quer ver histórias que falam sobre si, que nem sempre sejam sobre exclusão ou racismo, mas que também por vezes fale sobre isso, atrai as plateias. O ‘Black Money’ são fortalecidos diretamente por essa plateia, que também é consumidora e precisa ser respeitada. Isso é algo muito importante. Já existem várias pesquisas pra confirmar essa fidelidade com o público negro em vários produtos, as empresas e a publicidade já estão correndo atrás disso”, lembra Lázaro.

“Esse movimento também foi estimulado pelo Bando de Teatro Olodum. Lá a a gente dirigia, produzia, mas também varríamos, fazíamos os figurinos, éramos ativo, ia além de decorar o texto. Isso se mantém em mim, fazer esse documentário do bando é uma homenagem, mas também o desejo de mostrar pra todo mundo a história desse grupo que hoje em dia, com as características dele é um dos mais longevos da América Latina.”

“Demorou dois anos para ser concluído e é pra contar como esse grupo fez pra se manter durante tanto tempo sem patrocínio”, finaliza ele, ao falar sobre o maior grupo de teatro negro do país que surgiu em 1990 e tornou-se um dos maiores símbolos de identidade brasileira no pais.

Lais Gomes – Colaboração para o UOL

Fonte: https://entretenimento.uol.com.br/noticias/redacao/2018/08/11/teatro-negro-no-rio.htm?cmpid=copiaecola&cmpid=copiaecola

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