por Juliana Martins

Vamos conversar sobre diversidade?

Recentemente, em um evento de mulheres que não possuía recorte de classe ou raça, uma mulher branca me abordou.

Restavam dois minutos para começar o evento. Ela disse, gentilmente e baixinho

“Oi, bem. Você se incomodaria de sentar na outra cadeira para que possa ter uma visão melhor do palco? ”

Há alguns anos atrás, eu engoliria o nó na garganta. Eu levantaria e sentaria na cadeira que ela apontou, perto da parede. Eu me questionaria sobre se deveria estar ali. Passaria dias pensando que não devia ter ido.

Hoje não. Hoje eu engulo a vontade de chorar pela injustiça, a raiva de saber que as pessoas não saem do meu caminho na rua porque esperam que eu desvie, sem que o mesmo tratamento seja dado à amiga branca do meu lado. Hoje eu respiro fundo e digo

“Sim, me incomodaria”

Mas não acaba aí. Acabaria se ela pedisse desculpas e se afastasse. O que ela fez, no entanto, foi mudar instantemente o tom amável, reprovando a posição da mulher negra com a cabeça erguida, e retrucou, desta vez sem sussurrar e em tom indignado

“Nossa…Não custava nada.”

Por que a mulher negra deveria trocar de lugar e ir para o pior espaço? Por que deveria ceder o seu lugar conquistado para outra pessoa? Por que ela não pediu isso a nenhuma das outras mulheres brancas sentadas em lugares melhores?

As respostas estão relacionadas ao racismo institucionalizado. A realidade é tão excludente que não deve ter passado pela cabeça daquela mulher de que conceder o privilégio de ter uma visão mais central e menos prejudicada é abrir mão de uma conquista. Não deve ter passado pela cabeça dela, como não passa pela cabeça de muitos, que este tipo de comportamento também exclui.

Muitas mulheres têm se engajado para falar sobre o tema Diversidade, e dizem abrir espaço para propagação de ações inclusivas que permitem que negras tenham acesso a eventos e lugares onde as frequentadoras eram predominantemente brancas.

Embora a iniciativa seja louvável, é a justificativa para esta promoção e forma como estas ações são conduzidas que precisam ser também questionadas. Muitas destas mulheres trazem um discurso excludente quando falam coisas como “eu até tenho amigos negros”, “minha empregada pode almoçar na mesa com a minha família” e “eu não ligo que os filhos da minha empregada usem as roupas usadas dos meus filhos”. A crítica a estes discursos poderia seguir por um viés classicista, se não fossem as mulheres negras a maioria na categoria.

Segundo estudo feito em parceria entre o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e a ONU Mulheres, em 2015, a população geral de trabalhadores doméstico chegou a 6,2 milhões, sendo 5,7 milhões de mulheres. Dessas, 3,7 milhões eram negras e pardas e 2 milhões eram brancas.

A dificuldade em olhar o preconceito como algo estrutural limita as ações e provocam uma dor social igualmente ruim. Não causar impacto real sobre o problema mantém a mulher negra à margem e à mercê da benevolência da classe dominante.

O problema está enraizado e prejudica discussões sobre racismo, uma vez que a sociedade assimila com facilidade o racismo explícito, mas dificilmente reconhece a existência do racismo velado.

Toda ação que privilegia determinado grupo ou corrobora para prejudicar conquistas também oprime. Associar o racismo apenas a ações explícitas de preconceito perpetua o racismo velado e é igualmente exclusor.

É necessário que busquemos cada vez mais expor este racismo velado, e que entendamos uma vez por todas que não é o opressor que define o que é ou não racismo. A mulher branca no evento certamente não se deu conta que estava sendo racista. A única pessoa capaz de definir o que é ou não uma violência é a vítima. Precisamos ouvi-la.

Quantas vezes você genuinamente deu voz a ela? Você pratica Diversidade ou apenas fala sobre?

Artigo também publicado no site: Code like a Girl

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imagem de uma mulher negra sentada, com olhos fechados e rosto de lado

2 respostas

  1. Maravilhoso!São estes discursos que precisamos ter em nossos ambientes profissionais, sociais, politicos, educacionais. De longe, qualquer pessoa que já foi vítima de racismo se identifica. Resistir e persistir na educação é a nossa única esperança.

  2. Ao ler o texto, observo o quanto o proposto pela esquerda nos últimos 16 anos com o tema diversidade, não passou de uma falácia (Ao melhor termo de Thomas Sowell), nada de fato fora articulado e executado para exterminar esta epidemia que avança os séculos, a saber, o racismo.
    Me espanta o relato, pois no discurso da diversidade,temos a questão do empoderamento feminino, e dentro deste empoderamento ainda tem de se trabalhar a questão do racismo entre o universo feminino, ou seja, lidar com a diversidade da diversidade. Lamentável!
    Tenho a muito me deparado com uma gama grande de relatos como este, assim como vivido algumas situações não diferentes, porém uma colocação concordo pelo escrito e pelo que pratico – A única capaz de definir o que e ou não uma violência é a vitima – porém ela deve estar preparada a contestar com inteligência, a ponto de colocar luzes tanto da situação quanto da realidade para aqueles que praticam direta ou indiretamente, de forma consciente ou inconsciente o ato racista.
    Esta luta é nossa, pessoal e coletiva (Povo Negro), e não do governo ou qualquer instituição que queira falar em nosso nome, pois aí, o racismo será balizado segundo seus conceitos e não pela vivência da vitima.

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