Não, não se trata do clássico filme protagonizado por Jack Nicholson, o que faria mais sentido se considerarmos minha área de atuação. Na verdade, hoje venho falar de uma experiência que está, ao mesmo tempo, distante e próxima da minha profissão e da minha experiência no RD on the road.

Ontem, participei pela primeira vez de um evento de Marketing digital. Como vocês sabem (ou não) sou formado em Psicologia, trabalho com população de rua e dependência química. Logo, estou acostumado com congressos e palestras que discutem sobre Reforma Psiquiátrica e afins. O que fui, então, fazer na Rd on the road? Bem, vamos por partes.

Psicólogo na área social

 Imagem da cracolandia - Artigo Um estranho no Ninho

Desde minha formação, em 2012, trabalho com moradores de rua. Nos últimos anos, passei a atuar especificamente com dependentes químicos, sobretudo os que habitam/habitavam a região popularmente conhecida como cracolândia, no centro de São Paulo.

Não posso negar que tive inúmeros aprendizados, seja no atendimento a essas pessoas e suas complexas histórias de vida, seja na convivência com os funcionários das instituições que passei. Contudo, também foram incontáveis as insatisfações que tive/tenho com a dificuldade de efetuar um trabalho minimamente satisfatório, devido a complexidade da situação que o público atendido se encontra, aos poucos recursos disponíveis para promover novas possibilidades aos moradores de rua e, até mesmo, ao distanciamento que via (e vejo) da minha prática diária com minha profissão. De fato, é comum que o psicólogo que atue na área social exerça muitas funções, menos aquelas ligadas à Psicologia.

Contrariando o que imaginava (leia-se, condenava) na época da faculdade, decidi migrar para a clínica e atender pacientes particulares. Me identifiquei com a área e a possibilidade de utilizar o meu conhecimento em Psicologia na prática, mas algumas dificuldades logo se apresentaram. Uma delas é o estranhamento que um psicólogo negro causa em algumas pessoas. Já ouvi mais de uma vez que não tenho “cara de psicólogo”. Sempre me pergunto o motivo, ou, ainda, qual seria a cara de um psicólogo? Alguns me respondem que me imaginavam na área administrativa ou jurídica; outros, como manda o estereótipo, argumentam que tenho cara de cantor, dançarino ou ator; por último, os que nada respondem, talvez por imaginar que eu não tivesse ensino superior.

Outra questão diz respeito à necessidade de divulgação do meu trabalho como psicoterapeuta para alcançar um público maior e conseguir novos pacientes. Como disse no início do texto, não tenho conhecimento algum de marketing digital, daí a necessidade de participar de eventos que dialoguem sobre essas práticas. Foi nesse momento que conheci o Movimento Black Money.

Movimento Black Money

Nina Silva - Fundadora do MBM - Artigo um estranho no ninho
Nina Silva, fundadora do MBM.

Recentemente, conversei com uma amiga, também psicóloga e negra, sobre a dificuldade de conseguir bons empregos. Inclusive, contei sobre uma experiência que tive em um processo seletivo, que relatei nesse texto. Após ouvir, ela, sabiamente, me disse:

“Entendeu, Rodrigo, por que nós temos que empreender? Não dá pra ficar esperando a boa vontade de pessoas que não querem negros em posição de destaque!”

Acho que foi um dos melhores conselhos que ouvi recentemente. Não basta nós, negros, nos qualificarmos se ficarmos a mercê de pessoas que não reconhecem nossas qualidades profissionais. Tenho amigos negros com excelentes currículos, pós-graduados, com mestrado e doutorado, e que não conseguem uma boa colocação profissional. Por outro lado, vejo pessoas não-negras com poucas qualificações e condutas, no mínimo, questionáveis. Curiosamente, essas últimas estão ocupando cargos de coordenação, gerência e afins.

O caminho se alonga quando se é Negro

Em tempo, não estou dizendo que não existem profissionais negros ruins assim como profissionais não negros que são extremamente competentes, apenas alertando que não basta fazermos faculdades e especializações, ainda encontraremos recrutadores e clientes que questionam nossa capacidade sem ao menos nos dar uma oportunidade. Por isso, é imprescindível criarmos nossos empreendimentos.

O Movimento Black Money incentiva o consumo e prestação de serviços entre pessoas negras, uma forma de enfrentar o racismo empresarial e estrutural. Assim que conheci outros empreendedores negros, percebi que eles passavam pelas mesmas situações, desde a dificuldade de conseguir empréstimos de bancos para investir em seus empreendimentos até a desconfiança de clientes que não consumem produtos de pessoas negras tampouco contratam para prestar serviços. A necessidade de valorizarmos nossas qualidades profissionais estava, mais uma vez, nítida para mim, provando-se extremamente necessária.

Enfim, o RD on the road

Psicologo Rodrigo Xavier Franco participa do evento de Marketing Rd ON The Road - artigo um estranho no ninho

Acredito que, nesse momento, você, caro leitor, já deve imaginar o que esse psicólogo foi fazer num evento sobre Marketing Digital. Não adianta estudar sobre o comportamento humano e não ter oportunidade para desenvolver esse trabalho. É necessário aprender estratégias de divulgação, alcançar um público elevado para conseguir novos clientes, ou, no meu caso, pacientes. Além disso, é preciso conhecer maneiras eficazes de empreender, para criar novos espaços que deem oportunidade para os diversos profissionais negros que encontram dificuldade no mercado de trabalho.

Vale ressaltar que vi pouquíssimos negros na RD on the road, o que corrobora os temas levantados nesse texto.

Obrigado, Movimento Black Money, pela oportunidade de participar desse evento. Espero um dia voltar e ver mais pessoas negras no local.

Texto original: https://medium.com/@rodrigoxfranco/um-estranho-no-ninho-3617f6681daa

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Uma resposta

  1. Parabéns pela incisiva intervenção textual dialogando com as dificuldades enfrentadas por profissionais negros, sobretudo, retintos nesse país estruturalmente racista.

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