Estive refletindo sobre as experiências de Garvey e de Malcolm, sobre a reunião que amanhã teremos com os irmãos e irmãs do WakandainMadureira e sobre os motivos pelos quais a luta da Comunidade Negra não tem avançado como deveria – vide a ascensão do movimento proto- fascista -neopentecostal.

Dos motivos

Eu fui cristão até os 22 anos, aproximadamente, e pertencia ao grupo que sempre saia pra convencer as pessoas sobre a boa nova do evangelho. Acontece que não importava o quão bom eu fosse na minha argumentação se depois de toda minha falação não houvesse um lugar permanente no qual a pessoa interessada pudesse recorrer e se formar dentro daquela nova perspectiva. Não funcionaria se não houvesse a frase final: “Venha fazer uma visita a minha igreja”. É na igreja, no contato diário com a mensagem cristã, com o povo cristão , com as instituições cristãs e seus valores que cristãos podem ser gerados.O trabalho passa desde de um treinamento mental até pelo convívio e suas dependências emocionais.

Sobre negritude

A dificuldade em avançar na conscientização da Negritude é a falta deste lugar na qual, em qualquer hora e dia, se pode recorrer pra se ter consolo e pensamento pretos. Um lugar no qual se possa viver em comunhão com aqueles que já passaram pelo processo de tornar-se Negro, ou seja, de constituir a própria negritude a partir de valores civilizatórios africanos. Nós pretos somos os alvos preferenciais da alienação, pois somos aqueles cuja autonomia e processos de resistências são a imagem mais radical que um projeto colonial pode enfrentar.

Somos radicais, pois propomos outro modelo civilizatório.

Sabendo dessa necessidade, Malcolm X deixava uma Meca por onde passava. Garvey, deixava um núcleo de treinamento, de aprendizagem e de autonomia econômica. É disso que precisamos. Nossos irmãos alienados precisam ver em nós, em nosso orgulho, maneira de falar, de vestir, de se divertir, de comer, de se educar, de tratar o corpo, as crianças, os mais velhos as vantagens práticas do nosso modelo civilizatório. Um recurso que o criador de aves poedeiras usa muito para aumentar a produção de ovos é colocar um ovo artificial no ninho da galinha. Vendo tal ovo, a galinha se sente encorajada, e bota mais outros tantos. É uma coisa muito inteligente, pois não força ninguém e utiliza o que poderíamos chamar de “exemplo edificante”

Foto premiação do filme pantera negra

Um ninho de aprendizado

Outra forma interessante que vem do reino animal é o aprendizado por imitação. Um gatinho, por exemplo, aprende a caçar presas observando a gata-mãe. Através da repetição supervisionada (a mãe, por exemplo, inicia o aprendizado usando um rato morto, depois aumenta o grau de dificuldade, até que o gatinho se saia bem em desempenho “solo” com presas vivas.). Outro exemplo: muitas espécies de aves canoras aprendem a cantar padrões complexos e maviosos, imitando o canto de outros pássaros, mais maduros. Todo criador de canários sabe que ele tem que ter mais de um, para que o canto se aperfeiçoe: canários criados em isolamento desde o nascimento cantam, mas cantam muito pior do que os outros, criados “em sociedade”.

Ou seja, o exemplo é nosso amor (como King pregava) são nossas melhores armas, mas não conseguiremos  utilizá-las sem Instituições. Sem bibliotecas nossas, escolas nossas, clubes de lazer nossos, hospitais nossos, nossos bancos, nossas creches… Precisamos erigir não só monumentos, mas instituições nas quais nossos irmãos possam recorrer seja pra conviver, seja pra aprender sobre o que é ser Negro a partir da percepção civilizatória africana. Não convenceremos nossos irmãos sem o fruto de nossas obras.

Não basta só condenar o modelo supremacista branco de se fazer, é preciso mostrar as vantagens do fazer Negro. Malcolm X convencia porque a própria vida dele era um exemplar irreparável do efeito da consciência africana nele. Ele além de montar instituições, era uma própria instituição, uma espécie de propaganda ambulante positiva do que seja ser um homem negro descolonizado. Se não avançarmos por aí, ainda continuaremos a secar gelo, a falar pra postes, falando pra negros que nem sabem que são negros e quando o sabem se percebem pela descrição do colonizador.

I HAVE A DREAM

Erigir instituições na qual o povo preto possa ir desde pra comer, se divertir, trocar valores, namorar, pensar e aprender até decidir sobre quais investimentos são necessários para nossa emancipação. Wakanda in Madureira se propõe a ser um desses locais e não apenas o único.O caminho é o da autonomia ou ainda avançaremos da colonização pra colonização.Sonhem comigo: Uma biblioteca Africana para avanço do Povo Negro, Escolas de Altos Estudos Africanos, Hospital Ciência Espiritual Africana, Clube de confraternização Africano, Fundos de Investimentos Africanos para nossas empresas. Sonhem comigo e vamos realizar juntos, pois aqui não há líderes – somos todos peões.

Juntos não há nada que não possamos realizar. Somos quantos milhões? Quantos?

Um só povo. Um só destino.

Por Jonathan Raymundo

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imagem do filme Pantera Negra, um só povo um só destino

9 respostas

  1. Lindo.

    Estou de fato emocionado com essas palavras.
    É muito animador saber que mais pessoas pensam assim. Por muito tempo me senti tão só com meus sonhos, que cheguei a pensar que nunca passariam de sonhos.
    Muito obrigado por me fortalecer e fortalecer mais e mais irmãos.

    Abços

  2. Estou emocionada, é inspirador e extremamente necessário.Sou carioca mas moro no ES e não vejo a hora de oarticipar e contribuir. Consegui chegar à Universidade com muita luta.Tenho uma filha, meu orgulho, Arquiteta(acho que a única negra aqui do Es) fluente em inglês, militante do MNU, aprendendo francês.

  3. Concordo com a necessidade de sermos visíveis em espaços construídos por nós mesmos para promover nossos hábitos como todo ser humano. Sempre passei pela experiência de ser única preta em diversos lugares desde quando muito pequena. Meu filho de 1 ano, começa a repetir minha história. Percebo que nossa presença constrói na sociedade a ideia de normalidade de aparição de pessoas pretas onde quer que quisermos. A sociedade tem de se habituar com isto. Tenho certeza que práticas como estas auxiliarão para a desconstrução do racismo. Nossa ausência nos destrói. Parabéns Jonathan Raymundo pela reflexão!

  4. Isso é o que esperávamos faz tempo. Instituições nossas. Do nosso jeito Para nós mesmos. Vamos começar e tornar isso realidade. Conte comigo!

  5. Isso é o que esperávamos faz tempo! Parabéns! Então mãos à obra. Conte comigo nessa jornada!!!

  6. Senore achei que assim as coisas que se relacionam a encontros deva ser em um espaço físico permanente próprio e não cedido por uma secretaria governamental. Se há endereços e programações de atividades pode anunciar, muito me apraz. Obrigado

  7. Adorei sua experiência, e espero poder contribuir com a sua fala para outro campos da área….um forte abraço.

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