Por Rosenildo G. Ferreira
As empresas são compostas de pessoas. Desde o chão de fábrica até o seu Conselho de Administração, passando pela média gerência. Portanto, seria natural supor que o empreendimento espelhe os valores, as vivências, as experiências e as crenças daqueles que nele atuam. Imagina-se que essa identificação também sirva para atrair investidores ou clientes de seus produtos e serviços. Pois bem. Partindo do princípio que é dessa forma que as coisas funcionam são necessários os seguintes questionamentos:
– É justo deixar de contratar um profissional por conta da cor da sua pele?
– Dar emprego a pessoas com deficiência (PCDs) é um favor?
– Uma mulher é menos capaz para liderar equipes do que um homem?
– A opção sexual de determinado profissional define seu desempenho?
Dificilmente alguma pessoa deixará de responder um rotundo NÃO a cada uma das questões acima! Contudo, por que na prática isso não acontece, desafiando a lógica mais básica da meritocracia?
Bem, a resposta não é simples. Tampouco óbvia. Afinal, assim como as empresas são compostas de pessoas, estas carregam dentro de si a soma de suas idiossincrasias que se manifestam na interlocução do dia a dia. O ambiente no qual se dão essas relações também influencia o que vai pela alma humana, de acordo com o filósofo espanhol José Ortega y Gasset: “O homem é o homem e as suas circunstâncias”.
Pois bem. De certa forma, isso explica porque mesmo as questões pacificadas no campo social, como a luta contra a discriminação racial e a a favor da equidade de gênero, acabam não se traduzindo em comportamentos cotidianos no mundo corporativo. Afinal, o chefe de recursos humanos, o avaliador, o gerente de departamento e o supervisor levam seus valores e crenças para o local trabalho. E nem sempre eles estão alinhados ao código de conduta da empresa nas quais atuam.
Isso fica evidente em algumas das conclusões tenebrosas, para se dizer o mínimo, dos dados obtidos com a pesquisa “Diversidade no Contexto das Empresas Brasileiras”. Tenebrosas e desesperadoras. Afinal, falamos das maiores empresas no quesito faturamento e de um grupo no qual despontam algumas das líderes em seus segmentos e que poderiam funcionar como agentes da mudança.
Mas não é isso o que acontece.
A começar dos itens mais básicos como o cumprimento das leis, como se vê no caso das PCDs. Ao longo de décadas, elas têm sido louvadas pela capacidade de superar os obstáculos funcionais. Especialmente no campo dos esportes. Em 2016, os atletas paralímpicos brasileiros ficaram na oitava posição com 72 medalhas, sendo 14 de ouro.
Ou seja, ao mesmo tempo em que as PCDs estão aptas a quebrar recordes mundiais em diversas categorias, não são vistas como habilitadas para cumprir tarefas básicas, como preencher formulários ou falar ao telefone, tampouco tarefas técnicas, como escrever uma peça processual ou bolar uma campanha de marketing!
Foi preciso a edição da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, para que as empresas começassem a contratar, de forma regular, trabalhadores com deficiência. E, mesmo assim, o número ainda é ínfimo se levarmos em conta o montante existente no Brasil. Hoje, são 306 mil PCDs empregadas, menos de um terço do total caso todas as empresas cumprissem a lei, de acordo com a Secretaria Especial dos Direitos das Pessoas com Deficiência.
O abismo entre o discurso e a prática também é flagrante quando entra em cena a cor da pele. Num país de forte miscigenação racial como o Brasil, onde as estatísticas oficiais indicam que pretos e pardos compõem 53,6% da população (IBGE, 2014), seria natural encontrar um quadro parecido com este nas empresas privadas. Mas o que se vê – e neste contexto o verbo assume a função literal – é um verdadeiro apartheid no mundo do trabalho à medida que nos afastamos das funções básicas.
Consubstanciou-se dizer que não existiriam afro-brasileiros suficientes para ocupar as funções além daquelas que exigem baixa escolaridade. Bem, de certa forma, por muito tempo este argumento ganhou contornos próximos da realidade. No entanto, nenhuma análise séria dessa questão pode prescindir de uma abordagem mais complexa e que contemple aspectos importantes da formação da sociedade brasileira. Tampouco sobre a forma de como ela opera.
Na década de 1990, o sucesso do comercial de uma fabricante de biscoitos deu origem à Teoria Tostines, a partir do bordão que fazia o seguinte questionamento: “Vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende mais?”. Transpondo para uma das vertentes abordadas neste artigo pode-se supor o seguinte: “Existem menos afro-brasileiros em cargos de destaque porque eles são despreparados ou eles são despreparados porque têm menos oportunidades?”. Como ninguém nasce pronto para o mundo do trabalho, é natural que integre a lista de funções estratégicas de uma empresa a tarefa de lapidar e desenvolver talentos. Cuidar da “prata da casa” ajuda a manter o grau de competividade do negócio. Mas como uma empresa pode crescer, se desenvolver e inovar para se tornar competitiva na área global se os gestores descartam, de imediato, 53,6% da população do país?
No período 2005-2015 mais que dobrou o número de afrodescendentes, entre 18 e 24 anos, matriculados em universidades. Saltou de 5,5% de participação na rede pública e privada para 12,8% (IBGE, 2016). Seguindo nesta toada, poder-se-ia dizer que seria razoável supor que efeito parecido acontecesse também nos programas de trainees das grandes empresas. Será que precisa de pesquisa para constatar quão reduzida é a presença de pessoas com estas características nas grandes empresas?
continua …
Autora da pesquisa: 4CO (“O panorama da diversidade nas maiores empresas brasileiras”)
Autor do texto e foto de capa:
Rosenildo Gomes Ferreira
Publisher e editor do portal de notícias 1 Papo Reto (www.paporeto.net.br / www.1paporeto.com.br) e sócio fundador da Girassol 730 Produções Ltda.
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Uma resposta
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