Chi-Raq, o Filme-Bomba de Spike Lee: No Peace, No Pussy! (contém spoilers)

Share on whatsapp
Share on twitter
Share on linkedin
Share on facebook

Poucos filmes tocaram tão fundo e certeiramente no problema fundamental de nosso povo: a violência que nos atinge de fora (supremacia branca) e obriga nossos jovens a reproduzi-la entre si. Também não tenho notícia de outra obra que tenha proposto uma solução tão poderosa, ousada e divergente da linguagem bélica de todas as políticas brancas vigentes. 

Chi-Raq, um acrônimo para Chicago+Iraq, é uma alusão ao alcance alarmante das mortes de jovens negros operadas pelas polícias e gangues da cidade de Chicago, (2001-2015: 7356 vítimas) que superaram as mortes de soldados norte-americanos na guerra do Iraq (2003-2011: 4424) e do Afeganistão (2001-2015: 2349) juntas!

O filme de 2015 abre com a  imagem do mapa dos EUA desenhada em diversas armas de fogo nas cores da bandeira do país e ao som de “Pray 4 My City” de Nick Cannon, que também atua no longa.

Deixando em segundo plano o espetáculo à parte das direções de Spike Lee, este filme de 2015 apresenta majestosa composição no colorido vívido dos personagens em contraste com a cidade suja, no modo como une comédia e drama fazendo justiça ao tema, na originalidade do roteiro e nas interpretações precisas de Teyonah Parris, Samuel L. Jackson, Wesley Snipes e Nick Cannon.

O enredo, que mais interessa aqui, é narrado por Samuel L. Jackson e gira em torno da maior “arma” que as mulheres possuem contra a violência que arranca de todas elas seus mais queridos: o poder de geração da vida, ou na linguagem que todos entendem, o prazer do sexo.

Saturadas de verem suas filhas, maridos e amigas morrendo pela polícia e gangues de Chicago, as mulheres negras da cidade são inspiradas por Lysistrata (Teyonah Parris) a tomarem uma posição. Lysistrata é uma explícita referência à personagem de mesmo nome da comédia de Aristófanes de 411 a.c., que, na peça, lidera as mulheres de Atenas e Esparta numa greve de sexo para forçar os homens de ambas cidades a cessarem a guerra.  

No filme, Lysistrata se depara com o legado político de Leymah Roberta Gbowee, a lendária ativista liberiana, prêmio Nobel da Paz de 2011 e responsável pelo fim da guerra civil no país em 2003, movimento que levou à eleição da primeira mulher à presidência de um país africano, Ellen Johnson Sirleaf, eleita em 2006 e permanecendo no cargo até 2018.

Leymah Roberta Gbowee não apenas propôs o uso da greve de sexo como instrumento político como o fez em conjunto com as mulheres liberianas e alcançou a paz. Pouco importa se Leymah teve ou não contato com a comédia grega, seu feito foi grandioso, em primeiro lugar, porque real, não fictício.

Voltando ao filme, Lysistrata persuade suas amigas a superar o medo de confrontar seus maridos, namorados e amantes e instituir a abstinência. Ela namora Demetrius ou Chiraq, (Nick Cannon) rapper e líder da gangue dos espartanos roxos que vivem em guerra constante contra os troianos laranjas, cujo líder é Cyclops (Wesley Snips).

Após reunir um grupo de 70 mulheres, elas seduzem os guardas do quartel da polícia local e tomam deles as armas ocupando o lugar de onde exigem o fim da guerra enquanto seu slogan “No Peace, No Pussy” vai ganhando o mundo. Quando questionadas por seus amantes, respondiam com a frase: “Vou negar todos os direitos de acesso ou entrada de todo marido, amante ou peguete que vier na minha direção com ereção. Se me forçar a deitar com ele, vou recusar sua investida e negar minha vagina. Sem paz, sem sexo!”

CR_D09_00178.CR2


O governo local e nacional oferecem resistência, assim como as gangues, mas a resolução delas contagia mais mulheres que vão tornando a causa maior a ponto de várias capitais mundiais se verem participando.

O desfecho apresenta a cena mais emblemática e tocante que já vi no cinema. Após o mundo ser abalado pela greve de sexo das mulheres, em Chicago elas conseguem o compromisso dos troianos, do prefeito e de toda indústria em apoiar e investir na paz, enquanto Chiraq resiste, porém desaba em pranto ao ouvir os relatos de uma mãe que teve sua filha morta pelo pai de Chiraq que depois precisou tomar abrigo em sua casa.

Ele confessa um crime idêntico, é levado preso e termina dizendo como numa súbita e profunda transformação: “O que estão olhando? É hora de fazer o mesmo. Assumam a culpa, ganhem a algema. Levantem o rosto e confessem seus pecados. Sejam homens e parem de suprimir a culpa em vocês. A loucura que é a gangue da qual fazem parte. Noites sem dormir, fraco demais pra lutar.

Longe demais pra ensinar o certo. Nossas mães em prantos, nossos irmãos morrendo todo dia. É o que eles querem que sejamos, surdos e burros, mas a única coisa que protegemos são nossas armas. Então foge, negro, foge. Eu deixei de fugir de mim, porque finalmente me livrei desses demônios. Finalmente se foram, finalmente respiro. Então tragam a verdade, irmãos!”

Samuel L. Jackson finaliza asseverando que Lysistrata formou um exército mais poderoso que o império romano, e que a única real segurança é o amor. E o alerta característico dos filmes de Spike Lee é estampado na tela: Wake Up!

Abstinência sexual feminina como moeda de troca; essa arma não mata, não fere, não opera violência, e ainda assim é extremamente poderosa, como Leymah Gbowee provou; talvez exatamente por ser anti-bélica e confrontar o mundo patriarcal no seu núcleo – o prazer sexual – com outra linguagem que não a da violência que constitui o masculino distorcido da supremacia branca!

Arma que é agenciada pelas mulheres negras  que sofrem todo o peso da negação branca do feminino; mulheres que guardam com maior plenitude o mistério da vida, do qual, em certa medida, nos afastamos como homens negros em decorrência do modo como a colonização incidiu sobre nós. Certamente, ela seria muito eficaz na medida em que os homens brancos se vissem privados do sexo com as mulheres negras ou com as brancas, já que nós homens negros estamos no mesmo barco que nossas irmãs negras como povo.

Como lembrou nosso irmão Malcolm, nossa libertação deve se dar por todos os meios necessários, da violência até a não-violência. Eu acredito também nessa anti-arma, e vocês?  #nopeacenopussy

teste
345 Views

Compartilhe:

Share on whatsapp
Share on twitter
Share on linkedin
Share on facebook

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Quer saber as novidades do Movimento Black Money?

Receba notícias e novidades sobre empreendedorismo preto, finanças, marketing e diversidade.
eskort mersin -

web tasarım hizmeti