POR ALVARO BODAS entrevista para Você SA
Criadora do Movimento Black Money e executiva em TI há mais de 16 anos, Nina Silva integra atualmente a equipe de Gestão de Projetos da empresa norte americana ThoughtWorks, que conta com 5 mil funcionários em 40 escritórios em 14 países. Aos 36 anos, ela já desenvolveu projetos e trabalhou para empresas como Petrobras, Honda, L’Oréal e Heineken e defende que é hora de criar as nossas próprias soluções,
Nina é empreendedora, mentora, escritora e presente na lista das 100 pessoas negras mais influentes do mundo com menos de 40 anos, ao lado de personalidades como a duquesa Meghan Markle e Chadwick Boseman, o astro do filme Pantera Negra. Considerada pela Forbes uma das 20 mulheres mais poderosas do Brasil, é palestrante sobre gestão de negócios, tecnologia, liderança e diversidade em eventos como Campus Party, RD Summit, HSM Expo e Startup Weekend e foi eleita pela Exame como uma das dez maiores executivas do país em empreendedorismo e tecnologia e pela StartSe como uma das 14 líderes mais influentes.
Nascida no Jardim Catarina, em São Gonçalo (RJ), considerada por anos a maior favela plana da América Latina, Nina se formou em Administração de Empresas, fez pós em Sistemas da Informação e tem várias certificações internacionais em SAP. Começou a carreira como trainee em uma multinacional farmacêutica, migrou para a área de TI e obteve várias
certificações, se especializando em gestão de projetos globais. Ela conta que, como gestora, recebia salários mais baixos que seus pares homens com o mesmo cargo e responsabilidade.
Depois de sofrer um burnout em 2013, a empreendedora largou o mundo corporativo e foi morar nos EUA, onde estudou literatura. De volta ao Brasil, abriu um salão de beleza, mas começou a sentir falta do trabalho na área de TI. “Achei que estava desperdiçando todo o esforço e investimento que havia feito na minha formação, mas vi que a discriminação racial e de gênero seriam sempre um problema para mim”, diz. “Foi então que comecei a buscar empresas que tivessem um propósito alinhado ao meu, e entrei para a ThoughtWorks.” Conheça melhor a história de Nina Silva, na entrevista a seguir.
Fale um pouco do burnout que você sofreu em 2013, no auge da carreira
Esse foi o momento da minha transformação. Tive um esgotamento físico e mental e isso serviu para eu me dar conta de que havia algo errado com o ambiente de trabalho, com as empresas e com a sociedade, e eu queria fazer algo para mudar as coisas. Percebi que não via muito propósito nas atividades que eu fazia, faltava eu me sentir parte daquilo e ajudar o mundo de alguma forma. Minhas entregas eram maiores e mais cobradas que as de todos os outros e parece que nunca era suficiente. Comecei a me questionar: por que estou aqui, por que dou resultados exorbitantes para empresas que não têm nenhum propósito e só visam o lucro? Foi então que entrei para a ThoughtWorks, uma empresa com o compromisso de atuar com tecnologia para um mundo melhor e uma sociedade mais justa. Estou lá desde 2017, como Project Manager Leader.
Você sofreu preconceito ou discriminação por ser mulher e negra?
Sim, em vários casos. Cheguei a ouvir insinuações de que eu só ocupava um cargo porque o chefe era “gringo” e gringo gosta de preta, dando a entender que eu tinha um caso com meu chefe. Em uma das empresas, a maioria da minha equipe era formada por homens brancos, e eu era meio que excluída das comunicações, mesmo sendo a gestora do time. Esse tipo de discriminação velada acontece no dia a dia, em pequenos detalhes do cotidiano dentro das empresas.
Você acha que os projetos de inclusão que as empresas estão implantando são suficientes?
Essa é uma questão mandatória para a sobrevivência delas, não é só de justiça social. Dados comprovam o aumento de performance em ambientes que valorizam a diversidade e equipes heterogêneas. Muitas empresas adotam a prática para contratar estagiários e assistentes, mas isso tem que chegar nos níveis mais altos. Sabemos que, no mercado de trabalho, em geral, as contratações se dão por indicação, especialmente nas áreas mais disputadas. E a rede de contatos e relacionamento dos brancos se perpetua, é difícil quebrar, ninguém quer perder privilégios. Contratar um jovem aprendiz negro é fácil, mas, e contratar um gerente ou diretor? Esses níveis se mantêm praticamente inalterados.
As organizações têm que entender que elas estão perdendo mercados e segmentos por não enxergar uma grande parcela da população, que não é representada. Dados da consultoria McKinsey apontam que empresas com maior diversidade de gênero lucram 21% a mais, e com diversidade de raça, 30% a mais.
Como você acha que a tecnologia pode ajudar a diminuir a desigualdade social e racial em nosso país?
A tecnologia está cada vez mais acessível na era digital. Hoje, vemos crianças e jovens fazendo filmes com poucos recursos. Ela pode ajudar ao permitir que os seres humanos estejam mais conectados, interagindo e atingindo muitas pessoas ao mesmo tempo, multiplicando ideias e movimentos. Explorando possibilidades e sabendo usar, sendo criativos e inovadores, poderemos evoluir na discussão de soluções para a desigualdade e o preconceito.
O que é o Movimento Black Money, e quais resultados já deu?
O Movimento Black Money é um hub de inovação para inserção e autonomia da comunidade negra na era digital junto a transformação do ecossistema empreendedor negro. O primeiro pilar é o de comunicação, com produção de conteúdo sobre diversidade. Tem o pilar de educação, com cursos de gestão, marketing digital e programação básica, e em breve de educação financeira. Fechamos parcerias e conseguimos bolsas com escolas que promovem cursos de formação nessas áreas. Já formamos 40 alunos em programação e marketing digital e já temos novas turmas programadas para São Paulo e Belo Horizonte. O terceiro pilar é o networking: por meio de eventos, empresas conhecem profissionais e empreendedores negros para fechar negócios, parcerias e dar emprego. Temos vários casos de participantes que formaram co-workings, consultorias e coletivos entre eles, durante os cursos e eventos. E, por fim, temos o D’Black Bank, uma fintech que conecta consumidores a empreendedores negros, com serviços 100% digitais.
Como a comunidade negra pode se organizar e fazer algo para mudar a realidade?
Tentar disseminar os espaços de poder e de fala, dar visibilidade e compartilhar o que temos, seja conhecimento e experiência, seja oportunidades e dinheiro. Ajudar-se mutuamente, se reunir, se organizar, se conectar, dar preferência aos empreendimentos de negros e priorizar o comércio da comunidade negra. Não adianta esperar as empresas fazerem algo, temos que criar as nossas próprias soluções para resolver os problemas. As nossas desigualdades têm que gerar oportunidades para uma comunidade que foi discriminada e agora está no centro do debate e das discussões.
4 respostas
Maravilhoso.
Amei o artigo! Realmente, a tecnologia ajuda a quebrar barreiras e avançar em discussões! Parabéns Nina!! Abraços
Excelente reportagem!
Como psicólogo, sugiro que pensemos também em uma rede de saúde. Conheço profissionais negros que não conseguem boa colocação no mercado de trabalho e com certeza se beneficiariam se, além do marketing digital e educação, um setor de saúde fosse pensado e, quem sabe, concretizado.
Conheço, também, outros psicólogos negros que adorariam fazer atendimentos a pessoas negras, seja por questões raciais ou por outros problemas de nossas vidas.
De qualquer maneira, o fato de já estarmos pensando e executando essas práticas é um grande avanço.